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Basta você nascer em uma grande metrópole que as desigualdades sociais, econômicas, educacionais, culturais, de saúde e moradia, sejam transformadas em indiferenças.

Sob essa ótica, nascer e viver em lugares com condições precárias não é uma escolha e sim uma questão de localização geográfica. Segundo o Mapa da Desigualdade da Cidade (31 de agosto de 2016), da prefeitura de São Paulo, as pessoas que nascem no bairro de Pinheiros vivem 25 anos mais que os moradores do bairro Cidade Tiradentes.

Como compreender que, ao nos distanciarmos 45 km do centro da cidade, essas desigualdades sociais trazem para os moradores prejuízos na sua longevidade? É ou não é um enigma para quem se importa com as dificuldades alheias?  Será que nossas percepções estão falhas ou insensíveis a ponto de tratarmos os que vivem em situações mais vulneráveis como diferentes? Talvez seja essa a questão: “como não vivo experiências ruins, meus olhos não conseguem enxergar o que isso significa e os 25 anos de vida a menos não chamam minha atenção”.

Felizmente, nem todos são indiferentes. Existem várias pessoas trabalhando em favor das causas sociais, e talvez seja difícil para os gestores da saúde, educação, cultura, segurança e moradia perceberem a ligação entre perdas de anos de vida e a localização geográfica de uma determinada população, já que não residem nesses locais desfavoráveis.

Só sente perdendo a vida quem a perde diariamente, nos postos de saúde, nas moradias inundadas por enchentes ou destruídas por incêndios; quem sai muito cedo de casa e chega tarde, colocando a vida em risco. Ao que tudo indica, não é uma escolha, mas uma necessidade.

Nascer e viver em um bairro geograficamente distante da capital passa a fazer parte das profecias autorrealizadoras: as pessoas que lá vivem deixam de ser olhadas como merecedoras da mesma longevidade de quem moram em bairros nobres. No entanto, quanto mais indiferenças e insensibilidades, mais baixa é autoestima desses indivíduos, gerando a falta de autocuidado e preservação da vida, como deveriam ser feitos, preventivamente e curativamente.

A indiferença caminha para a insensibilidade e a insensibilidade pode tornar a perda de 25 anos de vida irrelevante para muitos.

Nessas regiões, um bebê tem que correr atrás de 25 anos que lhe foram roubados, por não ter tido o privilégio de nascer em um “bairro de ouro”.

Viver em um local com muitas desigualdades sociais é como participar de uma corrida de 10 km e o seu concorrente ou adversário sair na sua frente 2500 metros.

É assim que vivem os habitantes de bairros e cidades distantes da maioria das grandes metrópoles: esquecidos, como se fossem parte de uma subcategoria humana.

É possível equacionar essa avalanche de vida perdida, sem mudar a nossa compreensão do que chamamos de vida? Com certeza, não. O adiantamento da morte frente à vida é algo que ninguém quer.  Seria como dizer: ao nascermos, entramos na fila prescrita para o cemitério ou crematório. Não existe aquele que fura a fila para se adiantar à morte. Esses cidadãos são colocados na fila que adianta sua partida sem que assim o queiram.

Como transformar esse débito (desigualdades) em créditos (oportunidades), quando os recursos necessários como educação, saúde, cultura, moradia e segurança são negados e, muitas vezes subtraídos, por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar de toda a população?

Compreender e conscientizar-se de que a vida tem seu revés é uma forma mais promissora de mudanças. Entender, enfim, que o universo nos oferece a chance de saber que quem não se reconhece através do seu semelhante, também não reconhece a si próprio. Afinal, todos são iguais e diferentes. Mudar essa realidade não é um dever, mas, sim, o ato necessário de ressarcir dívidas junto àqueles que nasceram em condições precárias, produzidas, na maioria das vezes, pelo nosso egoísmo e egocentrismo. Em outras, por conta de omissões, imprudências, ganância e desleixo dos que se julgam acima dos enigmas que a vida nos oferece.

A minha contribuição está sendo revelada neste texto, através da minha indignação, por não admitir fazer parte passivamente dessa visão de mundo que vivemos, onde imputamos perdas de vida a outros seres humanos, nossos semelhantes.

Você já pensou como fazer para devolver 1 hora, 1 dia ou algum tempo para aqueles que nós, conscientemente ou não, estamos lesando e usurpando boa parte de sua estada neste mundo a partir de uma existência melhor e mais justa?

 

As desigualdades sociais se transformam em perda de vida
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