Pequenas mudanças nas pessoas ou em ambientes muitas vezes são imperceptíveis aos olhos comuns. Só podem ser vistas com “olhos da alma”.

Quando estamos na praia, tomando sol ou dentro da água, raramente percebemos que a maré está subindo, já que tal fenômeno acontece de forma gradual. Só nos damos conta quando a onda molha nossos chinelos, perto do guarda-sol.

Assim também acontecem nas dinâmicas familiares. Mudanças sutis são pouco notadas entre os membros de uma família. Comportamentos destoantes de crianças e adolescentes geralmente aparecem aos poucos, dia após dia. Pais e cuidadores sobrecarregados, correndo atrás da própria sombra, não percebem o que acontece no âmago de suas crianças e seus adolescentes que, acometidos pela depressão, vivem um não sentido para suas vidas, caminhando como “mortos vivos” em direção ao nada.

Os “olhos da alma” dos adultos muitas vezes ficam cegos por conta de conflitos conjugais e familiares, como a disputa da guarda do filho, após uma separação conflituosa; o uso da criança no processo de alienação parental, seguido de abusos emocionais; a falta de amor entre os cônjuges, situação em que crianças são concebidas com a missão de resgatar casamentos falidos e desgastados.

Mas tudo isso começa bem lá atrás. Conflitos entre casais e familiares são frutos de questões não resolvidas na fase em que cada um vivia na sua família de origem. Um exemplo disso são segredos mantidos a quatro chaves para não macular a imagem “positiva” no núcleo familiar. A história de um tio, um primo, uma irmã que praticou o suicídio, auge de uma depressão profunda, é contada com mentiras. O mesmo quando o tema é abuso sexual ou violência física no seio da família, doenças psiquiátricas, pais delinquentes ou presos… Experiências traumáticas que, quando não trabalhadas e resolvidas, cegam os “olhos da alma” de quem cuida e explodem os corações de crianças e adolescentes que se sentem desprotegidos, desamparados, cheios de medos.

Difícil admitir que o filho tem depressão, assim como muitos pais não querem ver, acolher e apoiar filhos homossexuais. Essa recusa, implícita ou explícita, cega e impede que saibam distinguir um bebê quieto de um bebê triste, apático; uma criança “politicamente correta” e leal aos pais, mas isolada afetiva e socialmente, de uma criança tímida por sua natureza, mas que quando conhece pessoas acaba por se enturmar e interagir. Vale lembrar que, em diversas situações, comportamentos ideais podem significar um estágio do estado depressivo, assumidos como mecanismos de defesa para conseguir conviver e não aumentar os conflitos familiares que são, cotidianamente, “empurrados para embaixo do tapete”.

Esses pais ou cuidadores, que denomino de “tarefeiros das emoções”, viajam, passeiam, se divertem em vários lugares lindos e maravilhosos do mundo com seus filhos, procurando emoções novas. No entanto, quando indagados se tais vivências fortaleceram seus vínculos com os filhos, não sabem dizer, porque não internalizaram as experiências, não alimentaram os “olhos da alma”.

Em outras palavras, o que muda o “olhar da alma” não é o que eu faço, mas, sim, o que apreendo e que dá sentido ao meu “estar no mundo”. Crianças e adolescentes só vão encontrar sentido e significado na sua forma de viver se pais e cuidadores mudarem o foco das lentes, compreendendo que a qualidade não se mede pelo que se faz e, sim, se o que é feito contribui, de fato, à evolução emocional e espiritual dos envolvidos, especialmente os filhos.

Tenho uma sugestão para você: peça aos seus filhos ou netos olharem para você e dizerem o que veem além do rosto, o que acham que você guarda dentro de seu coração. Escute atentamente o que eles contam e reflita muito a respeito, porque são palavras sinceras e cheias de sentimentos (que podem ser bons ou ruins).

Depois é a sua vez. Olhe para dentro de seus filhos e netos e procure entender o que se passa com eles. O que os preocupa, o que os alegra, como se sentem. Comece a fazer isso todos os dias. Viva intensamente os momentos que compartilha com eles para descobrir como, de fato, eles estão.

E lembre-se: a alma de nossos filhos e netos, muitas vezes, são espelhos.
Abraços e boa sorte.

Sebastião Souza
Psicoterapeuta de casais e famílias

Depressão infantil: uma bomba-relógio pronta a explodir
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