
De modo geral, este tema está desgastado, mas vamos tentar fazer uma releitura, procurando ampliar a reflexão de nossos leitores sobre um fenômeno invisível que, por outro lado, tem deixado marcas visíveis na nossa história, muitas vezes norteando o cotidiano social.
Um dos aspectos da corrupção é a sua capacidade de adulterar valores, crenças, paradigmas de uma boa parte de pessoas que se aproxima de outras adeptas a esse mecanismo para viver e ter algum tipo de poder ou vantagem.
Trataremos aqui de duas abordagens. A primeira é a partir da poesia “Vista cansada”, de Otto Lara Resende (1992).
A segunda tem por base o fenômeno denominado “contágio”, descrito por Freud (1921) em seu livro “Psicologia das massas e análise do ego”.
“O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo.“, escreveu Resende .
É assim com a corrupção. De tanto ouvirmos sobre o assunto, parece que perdemos a noção de suas consequências atuais e nas gerações futuras.
Em outras palavras, é um festival de CPIS (comissões parlamentares de investigações): da merenda escolar, do setor hidrelétrico, Petrobras, fundos de pensões. Poderíamos ficar aqui citando investigações nos mais diversos setores da nossa sociedade.
Porém, iríamos fugir do nosso objetivo que é compreender como esse mecanismo se instala nas pessoas, a ponto de cegar e fazer parte do cotidiano.
A corrupção é um daqueles fenômenos que ganham visibilidade da noite mesmo quando é dia. Os antropólogos dizem: “se você quiser tornar um fenômeno invisível, traga-o para o cotidiano“.Ou como sabiamente falou o poeta Resende: “O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem”.
Freud em 1921 citava que “contágio mental se desenvolve quando o indivíduo passa a fazer parte de uma multidão e sacrifica seus interesses pessoais em prol do grupo“.
A corrupção pode ser, então, algo contagioso, uma vez que atua em um processo de sugestão, levando pessoas a ficar em uma espécie de estado hipnótico, causado por lideranças que usam recursos sugestionáveis pouco ou nada lícitos.
Em outras palavras, se o indivíduo é capaz de abrir mão de interesses pessoais, por que não abrir mão de seus valores éticos, morais e políticos?
Talvez seja tão urgente descobrir uma vacina anticorrupção como as que pretendem eliminar vírus e bactérias que nos ameaçam atualmente.
Uma vez que a corrupção, além de contagiosa, é silenciosa, além de atingir pensamentos, valores, comportamentos e atitudes das pessoas, ela também corrói a alma humana. Talvez por isso ela seja a moléstia social mais perigosa destes últimos tempos.
Contra a corrupção é preciso se vacinar todos os dias, reafirmando seus propósitos, suas crenças e sua convicção de que a vida é muito mais do que seus interesses e que estamos aqui também para ajudar o outro a ser melhor, para que a sociedade se torne mais justa, digna e menos desigual.