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Instantes antes das postagens eles pareciam tão amigos e leais um ao outro. O self não foi nem retocado, tamanha fúria e irritação. Self não mente, apenas omite.

A omissão é terrível, a pessoa tem consciência que, às vezes, seu mundo interior está em frangalhos, mas, ao munir-se de “verniz sedutor e um sorriso colgate”,  passa a imagem de autoestima elevada, livrando-se de todo o mal-estar e desprazer.

O self é um verdadeiro reality show da pessoa para ela mesma, alimentando o enorme narcisismo que espreita escondido atrás de uma máscara que, sem lançar mão de pequenos esforços e gestos, pode descortinar sequelas e feridas corroídas por modelos de idealização do “eu”, reinante em nossa sociedade.

Uma sociedade tão exibicionista, onde “Narciso” talvez não morresse somente afogado, mas também envergonhado dessa guerra continua. Chega uma hora em que o self e o “eu autêntico” se misturam, como na história do mentiroso que, de tanto mentir, passa a acreditar na própria mentira como sendo a mais irretocável verdade.

O que talvez seja difícil equacionar são as mensagens ambíguas que as estratégias dos selfies traçam para a mente humana. É mais ou menos assim: “Prepare-se para mostrar que estamos felizes! Vamos fazer um self para dizer a todo mundo que nossa vida é bela. Sorria, porque você está sendo analisado!”

Mas, segundo depois, por conta de algum aborrecimento, causado por um fato ou por pessoas, vem a real sensação, trazendo desconfortos e dores ao “eu autêntico”. Nesse instante, uma mensagem diferente chega ao cérebro, como que dizendo: “E que tudo e todos vão pra o inferno! Que o mundo se exploda!”. Oscilações de humor que deixam confusa qualquer mente.

O que maioria das pessoas não sabe é que as mentes trabalham de formas  processuais, ou seja, a cada informação recebida, inúmeras conexões neuronais são ativadas para que o organismo entre em ação, com um resposta de preferência adequada à felicidade e ao prazer daquele que está vivenciando o tal momento.

Quando o nosso mecanismo cerebral recebe duas mensagens, simultâneas e ambíguas, a mente humana tende a entrar em loop, ou seja, fica confusa. Se a motivação para o self e o “eu autêntico” não entram em um acordo, o prejuízo é do emissor da mensagem, a pessoa que faz um self, usando um pseudoself.  Em suma: se você está de fato feliz faça o seu self e siga em frente. No entanto, se está triste, não é passando o seu sorriso em família, como os comerciais de margarina, que sua vida vai mudar.

Não são poucos os exemplos de pessoas que usam os selfies para enganar e omitir alguns dados, como idade, baixa autoestima, dependências afetivas, com discurso prontos e positivistas. Em alguns casos, vemos a obsessão pela aparência, excessiva necessidade de atenção, com falas, imagens e discursos que demonstram intimidades e amizades, que, algumas vezes, nem fazem parte do seu projeto de vida.

Freud (1926) relata que o “eu” é a sede real e o produtor de angústia. Os estímulos externos, para livrarmo-nos das dores e desprazeres, produzem mecanismos de fugas. Os estímulos internos, quando em desconforto, produzem angústia. Traçando uma analogia para exemplificar as possíveis razões da guerra entre a tomada de self e o “eu autêntico”, basta dizer que é como uma pessoa que viaja para Paris (França) em depressão após a perda de um ente querido, desejando que a visita à cidade cure a tristeza. Os estímulos externos de Paris são lindos, mas, por mais incríveis que sejam, não são capazes de transformar o caos do mundo interior, em luto, numa estadia colorida e cheia de vida. Possivelmente, após vários selfies na Torre Eiffel, a angustia voltará.

Não brigue com o seu “eu autêntico”. Faça self da realidade externa e interna que você está vivendo naquele momento. Cuide para que cada imagem esteja o mais conectada possível com seus sentimentos reais. Não tente petrificar ou perpetuar suas emoções, porque elas são rebeldes e vão escapar de suas tentativas em aprisioná-las.

Ao final, quando você colocar a cabeça no travesseiro, a sua consciência trará à tona quem você é, verdadeiramente. Dê uma trégua para essa guerra, especialmente neste início de ano.

Faça um levantamento das últimas dez postagens de selfies que fez e verifique quanto elas têm do seu “eu real”, atribuindo notas de 0 a10 (zero para ausência total de honestidade e autenticidade; dez para seu verdadeiro “eu” com    sentimentos legítimos).

Lembre-se: essas notas podem ser um bom indicador de como está a sua autoestima e assertividade.

O seu self versus seu maior inimigo: o “eu autêntico”
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